Sou homossexual e conservador e
quê? Nasci homossexual, mas escolho, dentro dos limites de liberdade que as
grilhetas do determinismo me permite, o modelo de vida que melhor se adequa àquilo
que sou e que julgo querer ser. Tirando os mentecaptos que não aceitam esta
verdade fisiológica e que activamente lutam pela inferiorização daqueles que
nascem segundo aquilo que consideram diferente, quando, em questões
estatísticas, humanísticas e de saúde corresponde ao igual e ao normal… Tirando
esses cujo grande modelo existencial é provarem a si mesmo que não são tão pútridos,
tão risíveis e tão ínfimos como o seu mais assertivo âmago lhe aponta,
declarando vigorosamente a cada oportunidade que surja, de forma a acreditarem
e a convencerem os de mais, “olha aquela que ali vai com a cara tão afilada que
parece que lhe dão fome ou olha aquela além com umas ancas tão fartas que nem
no autocarro caberá ou, ainda, olha aquele tão efeminizado que o mais certo é o
confundirem com uma mulher”. Bem, tirando esses cuja grande luta é interior e
que em si mesmo encerram os guerreiros dos dois lados da batalha, os vencedores
e os vencidos, sempre os vencidos e os oceanos de sangue que a questão
acarreta; os outros são igualmente corrosivos na sua bonomia. Na indulgência da
aceitação da diferença como algo não patológico, mas não pretendido, moldam
estereótipos e papeis sociais que aprisionam e esquadrilham os cidadãos. Estes
são os que pensam os homossexuais como desviantes, como aqueles pelos quais se
reza o pai-nosso antes de dormir, aqueles que vão direitinhos para as labaredas
do Belzebu. Ou, em melhores dias, mais citadinos, podemos ainda ser aqueles que
escolheram uma vida díspar: os guerrilheiros, os adolescentes borbulhosos que
fumam umas ganzas na noite, a rapariga que aborta como contracepção, os amigos
das prostitutas. Dentro da deturbação do grande lema “vive e deixa viver” temos
os que anuem à discriminização da homossexualidade, das drogas leves, do aborto
e da prostituição. A tetralogia da vida mundana, da má vida, que têm que
aceitar, já que, na sociedade há que deixar cada um viver a vida que assim lhe
aprazer, desde que não interfira de sobremodo na vida do seguinte. Passamos da
benevolência à apatia na rapidez do cântaro ir à fonte. Passamos (nós,
homossexuais, entenda-se) a ser os que escolhem ser cabeleiros histéricos,
pintores esquizofrénicos, ou, quando o vento sopra de melhor lado, um ou outro
pianista prodígio, muito perturbado pelos fantasmas que nublam a alma. Em
resumo, somos, no máximo, o Yves Saint Laurent, com sucesso sim, mas um sucesso
recheado de escárnio, de cocaína e amantes amiúde. O que me condoí aqui é
antagonicamente a ideia de escolha e de determinismo. Ambas os opinantes acham
que acabamos todos como dançarinos de ballet
ou professores de teatro, por opção ou por destino e, na melhor das hipóteses,
havemos de ser respeitados, como se respeita um homem que se droga. O que eu
estou aqui a fazer é a luta pelo homossexual que é dono de uma loja de
ferramentas, que é mecânico, que é um ministro competente (!?), que é um
engenheiro eficaz. Não que eu seja contra a despenalização daquilo que referi,
não que eu não perceba quão dramáticas possam ser essas realidades. Não. Cada
um que faça o que melhor lhe apeteça fazer, mas que não haja sobre si essas
assombrosas gavetinhas sociais de por pessoas lá dentro, espectativas desleais
em relação a pormenores de nascença. Todos percebemos que o facto de nascer com
cabelo castanho não prediz nenhum comportamento ético. Se assim é e se nascer
com cabelo castanho é tão biológico como nascer homossexual, então porque raio
a homossexualidade haveria de trazer consigo qualquer tipo de predisposições
éticas?
Bem, atentem, sobretudo, que o
meu conservadorismo não está fechado nos claustros bafientos de mosteiros
enfestados de padres e padrecos e nas famílias azulejadas de moralismos e
convicções de género, com mulheres de espanador e homens de copo na mão. Não.
Sou conservador porque não pretendo para mim a devassa sexual ou a licenciosa
vida do procrastinador, porque defendo o trabalho árduo, a rectidão moral, o
investimento em relações humanas fortes. O construir de uma família, o
enriquecimento profissional, o comportamento escrupuloso. Sou católico ou,
porventura, um pós-católico praticante. Não concebo o Deus de barbas criador de
uma obra que lhe fugiu no meio dos dedos enquanto ia à casa de banho lá no céu,
por entre nuvens e anjinhos apáticos tão sem sexo como tudo o que o Homem criou
para o Deus que resolveu humanizar. Defendo, sim, um Deus de amor e perdão.
Bem, talvez, até, mais do que isso, defendo um Deus-do-bom-senso. Quando em nome de um Ser superior se pensar
em queimar pessoas na fogueira, talvez se devesse ponderar o que o Deus-do-bom-senso
acharia sobre o assunto. Quando em nome de um Ser superior se pensar em
construir igrejas de forradas a ouro, talvez se devesse ponderar o que o
Deus-do-bom-senso acharia sobre o assunto. Um Deus cuja máxima não fosse a fuga
do Inferno, mas sim a felicidade possível. Poderia, quiçá, ter uma divisa
próxima desta: “vive uma vida em que não faças muito mal ao seres que te
rodeiam”. Nada de transcendente. Só o eficaz. Limpemos o catolicismo de todo o
que é supérfluo e empoeirado. Imaginem, por fim, a ficção que é (supostamente)
Deus julgar a homossexualidade como um pecado. Bem, Deus todo o poderoso, de
boa fé e de boa vontade, que faz nascer seus filhos à sua imagem, cria-os,
desde nascença, em pecado? Põem-lhes um peso tão grande sobre os ombros que nenhum homem é
capaz do levantar? Sempre que um homem olha desamparadamente para outro homem e
nutre por ele amor está a pecar. Não mexe um músculo do seu corpo e está a
pecar. Notem, se eu peco por algo que foi posto em mim por Deus, então, o
pecado está no criador e não na criatura. Que Deus é este que faz nascer seus
filhos para os fazer viver em desgraça? Não é o Deus das escrituras nem o (meu)
Deus-do-bom-senso. Bem se vê, portanto, que neste caso o pecado está no homem,
no simples acto humano de atribuir pecado ao que teme ou não busca compreender.
Pense-se o Homem e acaba-se com o pecado!
P.S. - A quem ler isto peço
desculpa por a maioria do texto estar associado ao universo homossexual
masculino. Mas, olhem, façam como na bíblia, interpretem, adeqúem e acrescentem
por forma a constar uma realidade próxima aos vossos anseios, neste caso a
suposta omissão é a homossexualidade feminina. Abraço.
*Serra Pelada, Sebastião Salgado
:) que delicioso texto :)
ResponderEliminarObrigado :) que simpático. Faz esgrima sim, é um desporto muito de "gentleman", muito bonito nos seus ângulo trabalhados :)
EliminarParabéns :)
ResponderEliminarThank you, Ricardo. Foi o meu momento de (semi) revolta!
EliminarBacana seu ponto de vista!
ResponderEliminarAbraços!