A noite que se faz fria

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Eu não sei por onde vou, mas sei onde quero chegar. Vá, às vezes viro nas curvas certas, não me tenho enganado de sobremaneira nos cruzamentos, paro sempre no sinal vermelho. Não sei por onde vou. A terra é turva, minha gente. Vivo encalhado entre duas cidades que amo. Uma paixão irreparável com a primeira, um sonho profundo na segunda. A medicina consome-me os dias. Os sonhos consomem-me os dias. Não sei por onde vou. Sei para onde vou. Atentem na diferença. Às vezes pressinto-me numa rua mais ao lado e corto caminho. Não há tempo para pressentimos em medicina e eu pressinto demais. Digam-me o caminho para chegar ali. Desculpem o tom de menino mimado com os bordos do bibe sujos de leite fervido, mas DIGAM-ME COMO CHEGAR ALI. Vejo médicos que não são médicos e pessoas que não são pessoas, todos os dias da minha santa vida. Tudo sofrível à minha volta e a minha vida sagradamente sofrível. Não! Tenho tudo para chegar ali, tenho toda a vontade para chegar ali e não sei bem como chegar ali.

(as lufadas de ar já não me valem. Estou cansado do cansaço que cambaleia da perna esquerda e arfa pelos pulmões que tem e que não tem)


*Desabafo de estudante de medicina irritado com a vida - acontece de quando em vez, não façam caso!


**William Morris (British, 1834–1896)  Marigold designed ca. 1875

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