A vida não é feita de mistério.
Eis aqui a sua grandeza última! Não há profundidades ocultas, deuses com barbas
infinitas, aqui e acolá, jogando à corda com a humanidade, leis fundamentais
encobertas. A gravidade será sempre a mesma, sem os gigantes de Newton. A
criança lança a bola ao alto e ela há-de cair. Sujar o bibe, talvez. Fazer
mossa na areia, ir pelo oceano fora, embater em solo consentâneo e subir mais
um pouco, se às leis do universo lhe aprazerem. A filosofia e a ciência não
criaram nada, apenas cavaram as minas do saber, encontrando o carvão que por lá
havia, as vezes confundindo-o com outra coisa qualquer. A humanidade
entretém-se a desenterra minhocas neste húmus fértil e julga-se mais sábia que
a humanidade que a precedeu. Tola, perfeitamente tola. Bem, andamos sedentos de
respostas, de consagrações, de medalhas a reluzir na lapela e de direcções. De
direcções. O Homem péla-se por uma direcçãozinha, pela inércia do não pensar,
pela religião ditando leis embrulhadas em dourados e opas papais, pelas
diplomacias em voz de sede dos políticos, às vezes pelas guerras que reafirmam
ideais, sujando o dito húmus do sangue que escorre sem parar. Há algo de
extraordinário aqui. Notem, passamos a vida há procura, famintos, verdadeiros
perdigueiros em dia de caça, quando a verdade mais pura e mais certa está ao
alcance do nosso instinto. Branca é a verdade em toda a sua luz. Como raiar que
vem de cima e alumia, sempre, infinitamente sempre, a verdade da vida cá está,
clara, derradeira. Como o pai que beija a
filha no rosto e a árvore que se cresce a si mesma e dá frutos de doçura
variável e dos quais vem colher o pássaro e o forasteiro, assim é a existência.
O ciclo de um beijo traz em si toda a esfinge e termina-a em simultâneo. Não
creio que não nascemos a saber o que precisamos.
Não há possibilidade nenhuma ao
seguir a bondade que gira incerta lá no alto. Não acredito naqueles que
procuram os valores absolutos, tal como se procuram os mistérios da vida,
inexistentes. Ganham mais os que arriscam menos nesta busca, porque mais
próximo está o ente pretendido. Repare-se, no meu país não há força maior que a
das mulheres, fatais, correctas, inteligentes. Bastava que os homens seguissem
o exemplo delas, ou que ao menos as deixassem trabalhar sem o estorvo do orgulho
ferido na sua masculinidade inanimada, para que todos vivêssemos um pouco
melhor. Por outro lado, imagine-se, todos nós podíamos fazer um pouco mais,
isto, aquilo, ou aqueloutro.
Então que façamos, caraças, sem
hesitações ou cerimónias, e, especialmente, sem perder muito tempo com a
perfeição. Basta, como se bem vê, que eu tome a simples decisão de tratar um
pouco melhor o outro, como bem o podia fazer e pouco me custava, para que
melhor esteja o mundo pequeno que me rodeia, sem que para isso se levante as
movediças proezas do Bem-último, escrito pelo homem nos livros que muitos
santificam e poucos leiam e menos ainda racionalizam.
*Joseph Mallord William Turner (British,
1775–1851), Whalers ca. 1845
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